segunda-feira, agosto 27, 2007

Malabarismos


O sinal estava vermelho e mecanicamente ela freou diante da faixa de pedestres. Sua atenção foi tomada por alguns objetos suspensos no ar. Ela olhou para baixo tentando descobrir de onde viam e percebeu as mãos rápidas de um rapaz com chapéu engraçado. E pela primeira vez se perdeu diante da arte de rua para a qual ela jamais tinha dado atenção. Talvez porque naquele dia ela havia garantido a primeira fila e ali, naquele lugar privilegiado, ela imaginava aqueles objetos caindo e atingindo a carrão importado que estava ao lado, pensava no que aconteceria se o sinal abrisse de repente e o rapaz estivesse no meio da rua... E sem que nada disso acontecesse, ela olhou para o lado e viu que o rapaz sorria e estendia a ela seu chapéu. E ela, sem dar a atenção que o chapéu merecia, reparou apenas naquele olhar ingênuo que só tem quem conhece perfeitamente o mundo. Cinco minutos depois lá estava ela no mesmo sinaleiro, dessa vez na segunda fila. “Eu tenho que pagar pelo show, na outra vez não deu tempo”. E dessa vez, ela não olhava para os objetos voadores, mas sim para o jovem malabarista. E imaginava a coragem que ele tinha para ficar jogando coisas para o alto no meio da rua e como ela gostaria de ter uma pouco dessa coragem e jogar algumas coisas para o alto também. O sinal abriu e novamente ela estava lá quando ele fechou. Lá pelas tantas da noite e com o tanque de combustível quase vazio, depois de já quase decorar todos os movimentos do malabarista, ela se surpreendeu quando ele, parado na sua janela, não fez o gesto de sempre. Ele mostrava o sorriso curioso de quem já tem a resposta que procura: “você está perdida, moça?”. E ela tinha apenas os poucos segundos entre o sinal vermelho e o verde e tentou, sem nenhuma habilidade de malabar, segurar aquelas palavras que iam caindo uma a uma. E mostrando um sorriso de quem finge não entender, ela abriu a carteira e percebeu que já não tinha um centavo. Pegou então um papel, desenhou números nervosos e rapidamente o entregou ao jovem: “acho que estou”. E antes que o sinal abrisse, ela pisou fundo no acelerador. Quando abriu os olhos de novo, ela estava numa cama de hospital e as primeiras coisas que viu foram garrafinhas coloridas dentro de um chapéu engraçado. Junto estava o bilhete: ‘elas só voltam a voar quando você voltar para a primeira fila. Temo estar perdido também’.