terça-feira, setembro 19, 2006

Especulações

Começou com as especulações imobiliárias.
Deixavam os terrenos lá, ociosos.
Esperando o dia em que pudessem valer mais.
Depois passaram a fazer isso com os sentimentos.
Começaram a especular as palavras, a especular os ouvidos.
Depois os braços. Os abraços vinham cada vez menos. Os beijos iam ficando curtos, secos, apressados. E uma palavra não vinha jamais: 05 letras. Conjugá-la na primeira pessoa? Nem pensar.
E assim iam guardando, especulando.
Beijos, abraços, olhares, palavras, ouvidos...
E o saco ia enchendo, enchendo... Pensavam que poderiam abri-lo amanhã. Mais tarde. Depois. Pra que dizer hoje, viver hoje, sentir hoje... o que poderia ser vivido, sido, e sentido amanhã, mais tarde, depois?
E os dias passavam.
Os sentimentos ficavam valorizados e desejados, como o lote abandonado que despertava a imaginação das pessoas.
Um passava e dizia que o lugar seria ótimo para uma praça.
Outro dizia que daria uma bela mansão. O menino gritava que seria um grande campo de futebol.
E assim, aqueles que esperavam pelos sentimentos, pensavam no dia em viria o beijo ou o abraço ou quem sabe, aquele pedido de desculpas.
Mas o dia acabava e o sentimento continuava guardado.
De tão fechado, o nó que amarrava o saco de sentimentos se tornava difícil de desatar e o saco, cada dia mais difícil de carregar.
Até que o proprietário do saco decidiu se desfazer dele.
Já tinha rendido bastante, crescido muito.
Se fosse um lote, faria um belo negócio com a venda.
E resolve parar e abrir o saco.
Vê que o beijo está lá, sedento.
O abraço, apertado e sem espaço.
Vê que o pedido de perdão estava quase sem voz.
E que o olhar já quase se fechava.
Mas um sentimento pulsava e dava vida a todos os outros. Era o amor.
O tempo passará e ele estava lá, e corava-se ao saber que finalmente sairia do saco.
E saltaram todos, de uma vez.
Mas o saco vazio foi se enchendo novamente.
O pedido de perdão não encontrou quem procurava.
O beijo não encontrou a boca.
O abraço não encontrou colo.
O olhar não viu ninguém.
E o amor, que respirava ofegante, percebeu que seu coração batia sozinho.
E voltaram para o saco, fracos, quase sem vida.
E o saco, que já estava apertado para aquele tanto de sentimentos, teve que abrir espaço para outros. Veio a culpa, a dor, o arrependimento.
E para ficar ainda mais difícil, chovia todos os dias dentro do saco.
Lágrimas e mais lágrimas.
Choravam pelo terreno ocioso que já não achava interessados.
O dono do saco, sem forças, se arrastava com ele, que estava cada vez mais pesado.
E juntos, choravam pelo tempo que haviam perdido.
Pelo amanhã que esperavam e que não chegou.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo... Triste... Real...

André Luiz Neves disse...

Muito bom o texto! Escrever ajuda. Força fiota.