quinta-feira, novembro 01, 2007

Frio

O sol estava escondido ainda. E eles se escondiam. Ela também queria se esconder debaixo da coberta, mas o despertador dizia que não era hora de brincar. Ao abrir o portão, foi como se tivesse deixado entrar uma enxurrada que trazia para dentro da sua casa o que havia de mais imundo na rua. O frio do tempo sem sol mais o frio da arma de fogo mais o frio das palavras rudes mais o frio do espanto a congelavam mais e mais. Ela entrou para casa trazendo com ela tudo que sempre trancou do lado de fora. Seus filhos dormiam. Os homens queriam dinheiro. Ameaçavam. E ainda dormindo sua filha acordou. ‘Fica quietinha filha’, foi o que ela disse. Eles diziam que iam levar sua menina. E com um tapa na cara do seu menino, disseram que iam levá-lo sem sair dali. Em silêncio ela pediu proteção ao seu filhinho. Depois de um tempo que jamais conseguiriam precisar, sua família, que havia acordado para um pesadelo, os viu ir embora como num sonho. Com nojo da casa suja, do corredor imundo por onde o lixo passou, a família dela sentiu o cheiro podre por muito tempo. Pensaram em se mudar. Em mudar alguma coisa. Mas tudo ficou do mesmo jeito. Só não seus olhares. Quem visse de perto notaria algo de frio neles. Algo do frio do revólver mais o frio da madrugada mais o frio das ameaças mais o frio da impunidade mais o frio da rouquidão mais o frio da indiferença. E continuariam sentindo frio, por mais que o sol deixasse de se esconder.

Um comentário:

Cris disse...

Sussy, que tal mudarmos de planeta?