Marcelo bateu com seu carro em uma velhinha. Ela tinha 87 anos. Marcelo matou uma pobre velhinha de 87 anos. Atropelada!
Numa distração inexplicável ele não viu quando a pobre velha de vestido estampado atravessava a faixa. Faltavam só duas tiras de cal para ela estar a salvo na calçada. Só duas! Devia ter andado mais rápido, ela pensaria se tivesse sobrevivido.... Mas ela se foi. Foram com ela. Foi. Foi ele, o Marcelo.
Sem chance de último suspiro, sem poder contemplar o mundo pela última vez ou de ouvir um tu.......tu....... dos aparelhos que sonhava em estar ligada um dia, sentiu a força de muitos quilômetros por hora romperem o seu frágil motor da vida. Na verdade ela já vivia em ponto morto desde que seu marido foi dessas para uma melhor. Era só, a coitada. Dona Esmeralda, 87 anos, velha sozinha nesse mundo, pobre velhinha que morreu atropelada – um horror!
Voltando ao banco do motorista, lá estava o Marcelo. Na emoção do calor, ainda branco de susto, com os lábios da cor dos cabelos da velhinha, Marcelo lembrou que estava perdido. As leis de trânsito eram as mais severas do país. Ele tinha lido na internet há pouco tempo que elas eram muito piores que as criminais. Ele estava perdido! Estava! Sem pensar muito foi logo se adiantando. Desceu do carro chamando a pobre senhora de maldita. Ela pagou, afinal. Achou que ele nunca ia descobrir? Pois sim. Marcelo soube de tudo. Ela estava saindo com o s. Guilherme do 702 para jogar gamão todo fim de tarde enquanto ele trabalhava. Onde é que ela pensava que ia com aquele vestido estampado? Ele era um idiota, por acaso? Antes que ela consumasse o ato, ele a atropelou bem ali, num golpe certeiro da sua arma de 4 portas. Tudo de caso pensado. Crime passional, a imprensa noticiou.
Avó de ninguém nesse mundo, dona Esmeralda não teve defesa. Já o Marcelo, réu primário, respondeu em liberdade. Dona Esmeralda ficou muito tempo ainda na boca do povo, que achava pouco. Onde é que já se viu? Uma senhora daquela idade...
(A partir de uma análise do colega Vinícius Gontijo sobre o nosso código criminal)
Um comentário:
Maneiríssimo. Ainda bem que Marcelo atropelou dona Esmeralda, imagine se ele atropelasse o senhor Guilherme. Será que ele ainda se defenderia evocando crime passional?
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