quinta-feira, janeiro 15, 2009

Amor na Faixa de Gaza


Estava tudo fechado. Menos as janelas. Ele precisava evitar que um tremor qualquer fizesse a vidraça espatifar e um caco de vidro se meter onde não era amassado. A poeira que ele via tão perto era bem diferente do pó branco que dançava em sua bacia nos tempos de paz. Agora era cinza, na cor dos dias de 3 horas e noites intermináveis de trovões.
Ele tinha vontade de poder fazer como os outros: abraçar a família, orar, praguejar, ficar com seu silêncio e ouvir sua fé. Mas enquanto o misseo caia ele tinha uma missão. Era um dos padeiros da Faixa de Gaza, não podia se render. Ele tinha que fazer o pão.
Quem não morreu de misseo não poderia morrer de fome. Ele se sentiria ainda mais impotente se isso acontecesse e sabia que sua tarefa não seria fácil. Sua padaria nunca vendera tanto, mas repetia sempre que não era um judeu para achar que aquela seria sua chance de enriquecer. Ainda assim teve que aumentar os preços. O gás era pouco, o saco da farinha já não parava em pé. E o diabo do pão que o palestino tinha que amassar tinha que render.
Assim que o cessar-fome fosse acionado era a padaria que iam procurar. Crianças, velhos, mulheres que ficaram dias e dias sem sair de casa se arriscariam nas ruas para levar o pão ao restante da família. Para ele, era a menina que no dia anterior comprou seus últimos 3 pães para a família de 12 pessoas quem na verdade sabia o milagre da multiplicação. E ao lado dela um campo de concentração de multiplicadores se faria mais uma vez na porta da padaria. Pessoas desoladas caminhando rumo a um banho de nanição.
Até aquele dia o padeiro continuava a tarefa no seu templo sagrado, que ele herdou do pai e que só a ele pertencia. O massacre continuava lá fora. Sua massa continuava ali dentro. Mas naquela manhã quem olhasse pela janela aberta veria o medo estampado em toda a faixa que percorria seus olhos. Foi no instante em que uma bomba o atingiu: era o último punhado de farinha.

2 comentários:

ANDRÉ BARREIROS disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ANDRÉ BARREIROS disse...

O corpo do padeiro a terra não comeu. A guerra vai matar de fome o planeta.

Sua poesia é trégua.