terça-feira, dezembro 22, 2009

Vazio

A solidão era tão profunda que eu podia ver do outro lado.
E lá não tinha nada.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Separação

Já não sonhavam mais o mesmo sonho ou alguém acordou primeiro?

domingo, novembro 01, 2009

Acorda.

O tempo estava passando.
O vi de relance pela fresta da janela.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Mais perto.

Acordei hoje com o relógio gritando mais cedo.
Fiz cara de sono. reclamei.
Com um tictactic trêmulo ele se desculpou dizendo que estava a 1 hora mais perto de você.
Sorri. Dei corda pra ele.
E me prometeu que todos os dias vão ser assim, até que você chegue.
E o horário do relógio seja o verão dentro de nós.

quinta-feira, julho 23, 2009

Acham que os olhos são os primeiros afetados pela tristeza.
Na verdade é a língua. Já percebeu que quando a tristeza aparece tudo perde o gosto?
Passei a noite em claro pra ver se clareava alguma coisa.
Alguém me empresta um corretivo?

quarta-feira, julho 01, 2009

Pensamento

- Oi, acredita que vi um filme e esqueci de você?
- ...
- Durou exatos 97 minutos. 90. Na cena do beijo você apareceu de novo.

sexta-feira, maio 15, 2009

Um trauma é um roxo na alma que de vez em quando alguém esbarra.
Ela nunca mais teria um sorriso inteiro.
Sua alma perdeu um molar.

sábado, maio 09, 2009

Pétalas

Apesar do frio das 21h, ele sai de casa como todos os dias. Já está acostumado, quase sempre faz frio. Talvez por isso ele sempre use a camisa gasta de manga longa vermelha. Uma máquina polaróide se acomoda no relevo de sua barriga. Foram alguns chopps nos últimos 72 anos. As flores recém colhidas e cuidadosamente embrulhadas por ela estão na cesta. Todas as noites, ela as colhe com o primeiro toque do orvalho e as embrulha uma a uma. Como se fosse devolvê-las pra roseira. Como se fossem pra ela. Ele sai. Passa pelas mesas apaixonadas do caminho. Oferece o romantismo do seu tempo e o registro do tempo. Agradecem. Não levam. As moças são as primeiras a dizer não. Ele não compreende. Torna a oferecer. Torna a ouvir não. E com a camisa menos vermelha que as rosas, ele volta murcho pra ela. Ela sorri e o beija. Sabia que ele não ia deixá-la sem flores.

Partitura

Quando ele toca o violão, as notas do peito dela vibram.
Sua alma dança até seus olhos suarem.

sexta-feira, maio 08, 2009

Glicemia

Lábios brancos, taquicardia, olhos fundos.
Saudade é a anemia da alma.

quarta-feira, abril 29, 2009

Música

Minha alma era chorinho, agora é samba-canção.

Constatação

Percebi que praticamente só digito com os dedos indicadores, como se minha mão apontasse bem na cara do teclado e o desafiasse.

domingo, abril 19, 2009

Estrada

Despedida toda semana. As vezes parece que a vida é um trabalho temporário.

Calafrio

Tosse e peito cheio.
Gripe é só a palavra engasgada que quer sair.

livro

De todas as partes do corpo dela, ele escolheu os olhos. Sem nenhum pudor, lábios e pálpebras se encontraram. E escureceram a vista e tiraram o fôlego de quem estava por perto. Onde é que a já se viu duas almas ficarem nuas assim, na frente de todo mundo?

quarta-feira, abril 15, 2009

A espera

Esperar é olhar o tempo todo para a porta,
mesmo quando só existem paredes.


Esperar é colocar o pulmão dentro de um saco plástico e dar um laço,
na esperança do vento soltar.

quarta-feira, abril 08, 2009

Ladeira moral

Luiz subia a ladeira como se a ladeira não existisse.
Empurrava uma carreta lotada de papelão molhado pela chuva.
Me arrependo de ter olhado-o de novo.
Com tanta coisa pra roubar, tanto ódio para nos mostrar, Luiz preferiu catar papelão, colocar na carreta e vender. Luiz não vende sua alma ao demônio por dois motivos: o primeiro motivo é piegas, o segundo é porque o Gabiru não se interessa.
Mas que diabos!, por que esse homem não vai roubar? De onde ele tira coragem para enfrentar essa chuva sarcástica? A mesma chuva que me trancaria dias em casa, lavava a alma de Luiz.
Por que olho pro pobre diabo e sinto inveja do seu caráter? Eu que me pego fazendo concessões às meias verdades em nome do ganha pão.
Por que não sacou uma arma qualquer e me ameaçou? “Leva tudo, Luiz. Leva minha fraqueza.”
Por que não me deu seu olhar pedinte, sofrido? Por que ao invés disso, pisou firme como um soldado romano, convicto do seu caminho?
Por que não me deu a chance de satisfazer meu desejo egoísta de ajudá-lo?
Luiz subia a ladeira. A ladeira não subia nele.
Minha consciência está pesada, molhada pela chuva. Luiz, me ajuda a subir essa ladeira, por Deus.

(André Barreiros)



Luiz empurrava com vontade a carreta de papelão. Já começava chover. Pequenos pingos d’água se misturavam aos seus grandes pingos de suor. O choro do céu não o abateu. Luiz tinha pressa, não tinha lenço. Tinha que correr. Olhou pro alto e a luz do sol quase o cegou. Luiz e a luz. Parecidos se não fosse por um i. Se não fosse por um se. Se Luiz não tivesse roubado o guarda-chuva da moça do ponto de ônibus. Ele viu quando ela o encostou no banquinho. Luiz viu, sentiu. Mas num daqueles minutos de bobeira ou de repentina lucidez, Luiz se lembrou do sonho do menino papelão: ver de cima o papel encardido se molhar, assistir tudo do alto, de pé. Protegido da chuva por uma sombrinha. Uma sombrinha! De verdade! Ele sempre cobriu seu sonho escondendo a cabeça no pedaço de papelão. Escondeu do sol, do vento e do estômago. Escondeu dos olhos que não o viam. Mas naquele dia, Luiz não se escondeu o suficiente e viu cores. Uma sombrinha colorida de uma moça que se coloria e que não viu os dedos do catador. Os olhos de Luiz estavam debaixo daquele arco-íris, vendo as gotinhas de chuva respigar uma a uma sobre ele, sem que sua cabeça se molhasse. O barulho da chuva agora era sussurro, não era grito. E Luiz subia a ladeira com pressa, escondendo debaixo do papel o seu desenho de menino. Tinha que chegar do outro lado antes da chuva passar. Ou teria sido em vão.

(Sussy Côrtes)

quinta-feira, março 05, 2009

Quando a Terra se apaixonou pelo Ar.

Foi num dia de fúria. O Ar foi puxado para aquele lugar e por instinto tirou a Terra para dançar. O céu ficou vermelho quando rodopiaram e dançaram juntos pela primeira vez. Ela se viu como num espelho. Era um arrepio, um terremoto no seu chão. O Ar sentiu puxarem seus pés e deixou de correr para girar. Foi no redemoinho que a Terra se apaixonou pelo Ar.

Tudo aconteceu numa velocidade muito grande. E já era hora de partir. A Terra fez-se pedra, milhares de pedrinhas pra ir junto e sair dali. Ir com o Ar pra outros cantos, esquecer raízes e frutos. O Ar fez-se pesado pra esperar, mas o Vento era implacável. Ambos sabiam que ela era dali, era do chão e que ele era do céu, não era seu. E sem mais paciência, o Vento virou Vendaval e levou o Ar dali, pra longe, não se sabe onde. Folhas e flores caíram, eram pétalas de saudade que ficavam no caminho.

segunda-feira, março 02, 2009

Lenço

Tudo era motivo pra não chorar.
Pra segurar a lágrima, se prender.
Aí seus olhos durões se encontraram.
E não foi no espelho.
A lágrima que não sabia chorar pronunciou sua primeira falta de fôlego.
E ficou ali, pronta pra escorrer.
Tinha um ombro pra dar as boas-vindas.

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Enviado

'Queria agora poder te dar um beijo'. Enviar mensagem? Enviar. E assim que ela clicou sentiu que sua cabeça pendia para cima. Com um peso que ela não podia prever. Um homem de camisa amarela estava no seu quarto. Ela nunca o viu mais estranho. No tempo que durou eternos 3 segundos passou tudo pela cabeça dela. Um vizinho que tinha dio buscar açúcar. Um disco voador que pousara no terraço. Uma manifestação de mediunidade. Um assalto! Outro assalto? De novo? Deu tempo de pensar, enquanto a voz fugia estômago a baixo. A arma fria que cumprimentou o rosto dela poupou maiores apresentações. Era. Outra vez. Onde está o dinheiro? Desce. A pistola cavalheira, deu-lhe o braço e desceram juntos as escadas. Os familiares a esperavam no banheiro. Dores de barriga. Laxante social forçado. Vômito. Medo. E presos no cubo, falavam pelos olhares. Nunca conversaram tanto. Eram pedidos de desculpa, despedidas, declarações. Falavam de reação, de piedade, de fé. Os olhos pediam ajuda como se estivessem roucos. Onde está o dinheiro? Onde estavam enquanto faziam dinheiro? Ela pensou. Pensou na mensagem que enviara. Parecia que sabia que em segundos caminharia pelo corredor da a morte e fazia seu último pedido. Teria direito a sua última refeição (vide primeira frase). Tinha certeza de que escolhera a coisa certa. Ouviu o celular apitar. Devia ser a promessa do beijo chegando. Eles não iriam entregar. Onde está o dinheiro? Onde está, meu Deus, um milagre? Mais uma chance. Dessa vez vai ser diferente. Reza comigo, filha. Shhh... Foram embora. !!!! Voltaram. Vamos queimar todos. Vou tacar fogo. Cadê o álcool? Amarra. Vai morrer. Vou sar um chute na sua cara. Não to com pressa. Pelo amor de Deus. Trimmmm. Atende! Se respirar diferente, eu aperto o dedo. Tiau. Beijo. Não vai reagir dessa vez, não, viadinho?! Cala a boca! Cadê o dinheiro? Toma essa água. Vamos usar o carro pra fuga. Qual é a chave da portão? Em 10 minutos vocês podem sair. Em 20! Deus lhe pague. Em 20 minutos, mata todo mundo. E cerca de 3 horas depois, acabou. Quando voltou a respirar, ela queria que a vida lhe desse direito a seu primeiro pedido.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Amor na Faixa de Gaza


Estava tudo fechado. Menos as janelas. Ele precisava evitar que um tremor qualquer fizesse a vidraça espatifar e um caco de vidro se meter onde não era amassado. A poeira que ele via tão perto era bem diferente do pó branco que dançava em sua bacia nos tempos de paz. Agora era cinza, na cor dos dias de 3 horas e noites intermináveis de trovões.
Ele tinha vontade de poder fazer como os outros: abraçar a família, orar, praguejar, ficar com seu silêncio e ouvir sua fé. Mas enquanto o misseo caia ele tinha uma missão. Era um dos padeiros da Faixa de Gaza, não podia se render. Ele tinha que fazer o pão.
Quem não morreu de misseo não poderia morrer de fome. Ele se sentiria ainda mais impotente se isso acontecesse e sabia que sua tarefa não seria fácil. Sua padaria nunca vendera tanto, mas repetia sempre que não era um judeu para achar que aquela seria sua chance de enriquecer. Ainda assim teve que aumentar os preços. O gás era pouco, o saco da farinha já não parava em pé. E o diabo do pão que o palestino tinha que amassar tinha que render.
Assim que o cessar-fome fosse acionado era a padaria que iam procurar. Crianças, velhos, mulheres que ficaram dias e dias sem sair de casa se arriscariam nas ruas para levar o pão ao restante da família. Para ele, era a menina que no dia anterior comprou seus últimos 3 pães para a família de 12 pessoas quem na verdade sabia o milagre da multiplicação. E ao lado dela um campo de concentração de multiplicadores se faria mais uma vez na porta da padaria. Pessoas desoladas caminhando rumo a um banho de nanição.
Até aquele dia o padeiro continuava a tarefa no seu templo sagrado, que ele herdou do pai e que só a ele pertencia. O massacre continuava lá fora. Sua massa continuava ali dentro. Mas naquela manhã quem olhasse pela janela aberta veria o medo estampado em toda a faixa que percorria seus olhos. Foi no instante em que uma bomba o atingiu: era o último punhado de farinha.

.

saudade é querer apertar.