segunda-feira, dezembro 29, 2008

Pedido de armistício

Você tentou me matar de novo.
Vejo suas mãos sujas de lágrimas e seus olhos perdidos.
Sei que pensa em fugir, mas não vai conseguir ser um foragido de si mesmo.
Não se preocupe. Você não está sendo julgado, nem o será.
Provavelmente porque o Meritíssimo também seja um saudacida como você.
(Depois ainda perguntam por que estou sempre cercada de bombas-relógio - tum-tum, tum-tum, tum-tum - não é fácil ser perseguida o tempo todo).
E mesmo assim, eu sempre volto. Chego desse tamanhozinho e você me alimenta até não conseguir mais me carregar. E aí... ai ai.
Sei que você pensa que eu vou te matar e age em legítima defesa, mas não entendo de onde você tirou isso.
Preciso do meu complemento, do meu ‘de’.
Eu sim sou intransitiva.
E antes que você olhe de novo para aquele saco preto vou repetir: eu não morro, entro em coma.
É melhor se acostumar comigo de uma vez por todas.
Você nunca vai conseguir me matar.

Eternamente de você, Saudade.

domingo, novembro 30, 2008

Intransitivo.

Tem verbo que só se conjuga na segunda pessoa.
Tu.
Tu.
Tu.

domingo, novembro 16, 2008

Dispersão

Meu espírito e meu corpo têm algum problema de agenda.
Nunca conseguem estar no mesmo lugar.
Preciso resolver esse desencontro em mim, antes que eles briguem e rompam de vez.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Presente

- Umas folhas de ódio, por favor.
- Pra quê?
- Pra eu embrulhar meu estômago.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Indefinições

Medo
O ‘não’ cochichado no ouvido.


Coragem
Cera no ouvido.

Saudade
A memória com câimbra.


Solidão
Choro sem lenço.

sábado, setembro 27, 2008

Tempos modernos

Eram olhos tristes e grandes. Mesmo quando baixos.
Era uma boca semi-sempre-aberta.
Era riso fácil. Amarelo. Vermelho. Alto. Era silêncio.
E ouvidos atentos.
O nariz inquieto. A língua lima.
O cabelo lacre de pacote frágil.
Era uma imagem em movimento.
Vida-cinema-mudo.

segunda-feira, setembro 22, 2008

Azia emocional

Estava tudo misturado e a cabeça, tonta.
Seus olhos vomitaram.


Eram pedaços de tudo.

domingo, setembro 14, 2008

Why so funny?

Não arranque o meu sorriso.
Ele não faz por mal quando risca a minha face.

domingo, setembro 07, 2008

Ali jaz

Pequenos suicídios sem bilhete.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Peso

Saudadinha de chumbo.

sábado, agosto 16, 2008

O polidor de olhos.

Não andava com flanela,
nem álcool,
nem algodão.
Não se esforçava,
nem forçava.
Era sim
um
polidor
de olhos
nato.
E,
por ironia,
sem nenhum brilho
nos seus.

quarta-feira, agosto 06, 2008

Lenço furado

Quantas mãos são preciso pra segurar uma lágrima?

sopro no coração

O vento derruba as fotos da minha parede.
É o tempo que passa.

domingo, agosto 03, 2008

Cuspa!

Choro engolido desce muito mais salgado.
E arde as feridas por onde passa.
O gosto do choro engolido é sempre outro.
Por mais que o tempero seja o mesmo.

Já o choro cuspido é diferente.
Vem lá de dentro, tirando todo o sal.
E te dá tanto nojo que vem numa pigarrela só
Bem na cara da etiqueta.

(sussy)

Choro cuspido vem das entranhas nervosas. E vem em onda, com sabor de maresia.A crista é alta, mas não se arrebenta com toda força que deveria. Faz a crista e... morre sem a graça.O choro engolido vem com uma onda descrescente, e ao contrário, se arrebenta onde nasceu.E fica guardada lá, até o vento chegar instigando a mudar o rumo.

Mesmo doendo, ela teima em se arrebentar. E faz de novo e de novo.Quem vê nunca sabe como nem porquê a onda vem tão grande. Escuta-se o barulho de longe. Mas ninguém imagina o que ela arrastou até chegar lá.Só o mar sabe. Só o mar sente a onda por inteiro.

(mariana, a paiva)

E o mar entra na onda de não ser lenço.
De ser só mar.
Muito mais água e sal que ela, a onda de lágrimas.

(sussy)

sábado, agosto 02, 2008

Sem pé nem cabeça

Essa é a história de uma menina míope. A pobrezinha não via um palmo diante do seu nariz. Isso só acontecia porque nariz ela não tinha. Seu rosto era diferente. Apenas 3 letras “O”: a de baixo só dava pra perceber que era um O quando ela fazia assim: Ó. E todos pensavam Ó quando olhavam pra ela. Era quando a menina sentia cheiro de estranheza. Mas isso é só maneira de falar. Já que ela não tinha nariz, não sentia cheiro nenhum. Nunca se perguntou por onde o ar entrava. Pelos olhos, com certeza. Não eram as janelas da alma? Mas almas não precisam de ar e sim os pulmões. E por isso ela era meio almática e por isso estava sempre com uma bombinha por perto, ufa! Quando o ar, fresco, não aparecia, a menina míope soltava uma bombinha e o ar assustado corria pra dentro. Onde será que ela havia metido seu nariz? Era aí que morava toda a desgraça: uma míope sem nariz: óculos sem suas muletas. Óculos mancos. Um perigo olhos borrados pisando em falso por aí.
Foi assim que a menina colocou lentes de vidro. E viu. Que suas janelas ganharam vitrôs. O ar tentava entrar, mas os olhos abertos estavam fechados. E, sem entender nada, ficou de fora vendo com nitidez a última crise da menina almática. Na lápide da menina, o carinho dos amigos: ela nunca meteu o nariz onde não tivesse sido chamada.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Faro do oeste

- Procura-se a Verdade, viva ou morta.
- Mas se vier morta é Mentira.
- Verdade...

domingo, julho 27, 2008

Negativo

A saudade está emoldurada na parede do meu cômodo rotina.
Um retrato que sinto sem olhar.

quinta-feira, julho 03, 2008

Ispia só

A vó vai dizê uma coisa que é pra vida toda, fia:

Bumerangue é bumerangue. Brinquedo de corda é brinquedo de corda.

Num confunde as duas coisa não que ocê há de sê filiz.

segunda-feira, junho 30, 2008

Um texto folhetário.

Na capa do jornal, um médico que matou um homem a queima roupa e deu 3 tiros na mulher que estava com ele. Na capa do outro jornal, um homem que foi “fatiado” quando reagiu a um assalto. Logo após ligar para sua mulher e se despedir agonizante, ele morreu. Nas outras páginas, muitas outras notinhas de olho roxo, estômago vazio, boca ensangüentada. Mas o que merece a atenção de todos é o lançamento do novo carro que alia beleza e força num evento com a presença do presidente da república. Sinceramente, parece que não tem mais jeito. Está tudo perdido de verdade. Cada um no seu mundinho. Mudando as fotos do orkut, pensando em frase pra colocar no msn ou que, pelo menos, tem assunto pro blog. O blá blá blá de que a solução é a educação e aí vem um hippie, que ainda usa o termo ‘burguesia’, falar que já tem Proúne e regime de cotas e que se o pobre quiser, entra na faculdade. E tem o moço do sinaleiro pedindo esmola e a senhora na porta do restaurante gritando fome bem na hora que seu estômago não sabe se quer carne ou frango. Mas aí você vê que seu ombro não suporta mais que sua mochila e que esse problema não é seu. O problema é do povo que vota a troco de asfalto. Mas é que você nunca morou na terra. Você só sabe o que poeira quando vai pra fazenda no fim de semana. Se você soubesse, até entenderia o povo que vota pra tirar a poeira do berço do menino e diminuir a pneumonia da senhora. Aí a classe E, depois de poder caminhar sem se sujar de terra, até pode gostar de ir pra escola todo dia. E até não ligar pro professor mal pago que vai lá e faz um mau trabalho achando que está se vingando de alguém. Mas você vai reclamar pra quem? Vai chamar os amigos e fazer a revolução? Que revolução? Não existe mais revolução, nem sonho, nem idealismo. Não existe mais nada. Existe a angústia. A angústia do que tem fome, do que precisa blindar o carro, do que precisa de um otorrino, do que faria de tudo por um ouvido. Quer saber, esquece tudo o que falei. Amanhã eu já esqueci. E vou comprar o jornal só pra ver os anúncios publicitários.

domingo, junho 29, 2008

Não dá pra segurar

As lágrimas tinham colocado suas roupas de festa.

ô

Ela apareceu de novo.
E olha que vi Olência há apenas dois textos.
Deixou anéis e dedos.
Mas levou a coragem.
Da próxima vez já não vou escrever.
Quando uma coisa acontece 11 vezes, fica banal.

sexta-feira, junho 27, 2008

O rosto e o gosto

É que ele tinha aquele cheiro de siga-me.
E olhos de entendo.
Ouvidos de conte-me.
E a boca...
E a boca?

domingo, junho 22, 2008

O diabo.

Eu estava na pré-alfabetização. A escolinha se chamava Menino Jesus de Praga. Era bem escolinha, daquelas de quando a gente é criança. Eu estudava a tarde e lembro que gostava muito de ir pra lá. Mas o que eu mais lembro era do medo que me dava a uma certa hora, todos os dias. Era mais ou menos depois do recreio. A tia Armandina, a professora, escolhia um aluno da sala e dava a ordem. O escolhido saía e voltava, e eu tremia. E me morria. Lembro como se fosse hoje do meu coração disparar, de engolir em seco e da minha saia azul de crochê – ela ia até o joelho eu a adorava, eu era meio maria-mijona. Teve uma vez que a tia não quis me deixar ir ao banheiro e eu não agüentei. Disso não ficou nenhum trauma, nem apelido, apenas fiz xixi na saia e na sala e nem me lembro se fizeram piada. Só lembro da cara da tia dizendo pra minha mãe que eu não pedi pra ir ao banheiro. Os adultos mentiam, eu descobri naquele dia. Mas o que ecoou no meu ouvido por muito tempo foi a ordem que vinha depois do recreio: vá buscar o diabo!
Meu Deus! A Tia mandava buscar o diabo todos os dias. E tinha Jesus no nome da escola! E eu não tinha coragem de contar na minha casa que a escolinha era uma fachada pra alguma coisa do mal! Era assustador. Principalmente porque parecia que nenhum dos meus outros coleguinhas tinha medo. Eles só podiam ter sido enfeitiçados. Como não ter medo de sair da sala pra ir buscar o diabo? Mas o pior era ficar na sala enquanto o diabo não vinha. Acho que foi um dos meus primeiros medos: aos 6 anos, tive medo do diabo.
Até o dia juízo final. A tia me escolheu. Olhou pra mim e disse: vá buscar o diabo. Eu olhei pra ela como quem implora clemência. E seus olhos eram de quem me dava um presente. Eu nunca tinha visto aquele olhar. Das outras vezes eu olhava para a minha mesinha em prece: tenha piedade, papai do céu. Mas daquela vez eu tinha que olhar pra ela. Milagrosamente me lembrei que quando meus colegas voltavam da missão demoníaca nada acontecia. Ou será que eu estava tão absorvida pelo medo que não conseguia perceber? Não sei. Só sei que fui. Ao me ver parada no corredor (da escola, mas parecia o da morte) a tia gritou docemente: na secretaria. Sínica, pensei. Na verdade aos 6 anos eu não conhecia essa palavra, mas deve haver uma correspondente no vocabulário infantil para ela. E fui obediente à secretaria buscar nada menos que o diabo. Pensei nos meus brinquedos, na minha mãe, no meu pai, nos meus irmãos que tinham sorte de serem mais novos e não irem pra escola e na minha saia azul de crochê. Até mesmo as crianças pensam em suas coisas importantes quando acham que é o fim. E era. Eu já estava encostada no balcão da secretaria. Sem delongar o sofrimento, instintivamente estendi a mão e disse:
- A tia tá pedindo o diá...
- O quê?
A arcanja do inferno era surda. E eu tinha medo de falar aquela palavra, minha mãe lavaria minha boca com sabão se soubesse que eu disse aquilo. Mas o que travou foi outro medo: como eu ia levar o diabo? Tentei mais uma vez dizer:
- O di...
E ainda com a mão estendida a mulher da secretaria colocou uma pastinha azul na minha mão e não olhou mais pra mim.
Mecanicamente me pus pra fora dali. O diabo não era tão feio quanto eu imaginava, era uma pastinha azul.
Meio tremendo eu o entreguei a professora sem que ela percebesse meu nervosismo e sentei na minha carteira suando frio. Fiquei aliviada. Com a mesma cara que faziam os meus coleguinhos quando voltavam de suas cruzadas. Aí a Tia fez a chamada. Não lembro se foi na mesma hora ou se foi alguns dias depois que eu entendi. Mas o que o ajudante do dia ia buscar na secretaria era o DIÁRIO. Não sei se a professora tinha problema de dicção ou se minha imaginação já transformava tudo naquela época. E fiz do diário o diabo. E aos 6 anos de idade, vivi meu primeiro inferno.

terça-feira, junho 03, 2008

Quem não viu?

Nas primeiras vezes em que vi Olência, ela era uma estranha.
A vi de longe, com outras pessoas.
Parecia de outro mundo.
Depois vi Olência de perto.
Como era mais feia! Como cheirava mal! Como desviava os olhos!
Olência era horrível, mesmo. De assustar.
Ela descobriu onde eu morava.
Era uma inconveniente!
Aparecia nas horas mais impróprias.
Vi Olência ao acordar.
Vi Olência ao fim do dia.
Vi Olência com minha mãe.
Vi Olência com meu pai.
Vi Olência com meu irmão.
Acho que ela gostou da minha família.
Na verdade, Olência foi bem legal com ela.
Soube que com outras pessoas ela é bem cruel.
Hoje vi Olência me cegar o medo e a coragem.
Por mais que eu tranque a porta ou me mude, sei que Olência vem quando quiser.
Não posso com ela.
Ninguém pode.
Logo vi.

sábado, maio 31, 2008

A Tristeza e o olho. Ou a tristeza do olho. Ou o olhar da tristeza.

Difícil lembrar de quando foi apresentado a ela.
Difícil saber quando foi que ficaram tão íntimos.
Ele estava lá, distraído, e de repente ela chegou. De uma vez só.
Ou talvez estivesse chegando aos pouquinhos e ele não percebeu.
Difícil lembrar quando ele conheceu essa tão sem-cerimônia, que hoje entra sem bater em seu peito e pensamentos. E fecha a porta de sua geladeira. Quanta intimidade!
E de tão espaçosa, se esparrama dentre dele.
E se esparrama e se esparrama. E aperta tudo o que está lá dentro.
Sem espaço para mais nada, de tão nervoso ele sua frio.
O olho chora.

O Suspiro

Quando o pulmão rouba o ar só pra saber se ainda vive.
E o liberta porque naquele instante tem certeza que sim.
ai ai...

Loja de animais

A desolação entra. Muito suja, nenhum cheiro de pinga. Nas suas mãos uma pomba, que naquele momento não parecia ser o símbolo da paz. Ela, a desolação e não a pomba, toma a forma de um homem. Um homem desolado, mas um homem. Ele fala rápido. Ele quer vender a pomba. Há lógica em seu raciocínio. Foi vendê-la num Pet Shop, afinal.
- Compra ela!
- Mas a gente não vende pomba.
- Compra ela!
- O que eu vou fazer com essa praga? Tem aos montes por aí.
- Mas eu peguei ela pra você... E ela é treinada.
- Ah... ela é treinada?! O que ela faz?
- Ela é treinada para voar.

A incredulidade faz uma pausa. E fala.

- Deixa eu ver.

E a desolação em forma de homem solta a pomba para provar que ela voa. E a pomba pra provar que é treinada, bate as asas da fuga e some.

- Eu compro! Vá buscá-la pra mim.

E a desolação voa dali, atrás da paz.

terça-feira, maio 27, 2008



Desembucha! Ele disse.
E uma flor nasceu.

domingo, maio 18, 2008

na boca, o estômago.

Ela passava por ali, resolveu entrar. Era um lugar bem aconchegante. E apesar disso, aquela era a primeira vez. Em meio a tantos significados ela sentia um misto de ânsia e de vômito. Aí ele chegou. “Posso ajudar?”. Ela viu aqueles olhos de sonrisal e sentiu alívio em seu estômago. E apenas sorriu. Ele, missionário dos que querem ser lidos e auto-entitulado guia dos querem ler, falou de muitos pra ela. Autores, capas, prêmios, enredos. Teria ele lido toda a livraria, foi o que ela pensou. Seu hálito tinha cheiro de literatura e ela teve vontade de se sentar e pedir para que ele lhe contasse histórias de acordar. Mas apenas ouviu querendo danadamente ler. Ler de tudo. Ler tudo de. Sem parar. Compulsivamente, como quem tem por pouco tempo o diário da humanidade nas mãos e a única chance de descobrir seus segredos. Só que ela vai embora levando apenas papéis em branco. Muitos. Incontáveis. E lápis sem pontas. Queria vomitar-escrever. Era a reação adversa daquele leitor-sonrisal.

Cem sentimentos

- É... Cem mágoas.
- ...
- Não se preocupe. Cem lembranças ruins.
- ...
- Cem esperanças, tá?! É melhor assim.
- ...
- Cem problemas, cem ressentimentos, claro.
- ...
- Concordo! Cem arrependimentos.
- ...
- Você também.
-.
-;

Um desligou o telefone. O outro permaneceu na linha.

terça-feira, maio 13, 2008

Já reparou?

Sempre que acaba de tocar o Hino Nacional tem alguém do seu lado que bate palmas e alguém que diz que é errado bater.

sexta-feira, maio 09, 2008

De uma época, de uns meninos.

(A gente não guarda mais as coisas na gaveta. Elas ficam jogadas numa pasta inofenciva escondida no Meus Documentos. Em meio a muita poeira achei esse texto lá. Foi escrito há alguns séculos.)

Meninos e bumerangues

Essa é a história de duas famílias, que embora não tivessem nenhuma ligação, acabaram por se cruzar em um trecho da vida que não mais ofereceria caminho de volta. Diferente do bumerangue que Betinho jogava forte quando criança e que parecia que nunca mais iria voltar, mas que sempre voltava para suas mãos. E Betinho corria, junto com Carlinhos, seu irmão mais novo, entre bumerangues, bolas, livros, brincadeiras e afagos da família.
Não muito longe dali, Zeca, um outro menino via o bumerangue dos Betinhos e Carlinhos no céu, e achava graça porque aquele brinquedo sempre voltava para o lugar de onde tinha saído. E subia bumerangue e subia pipa e ouvia risadas e via livros e via abraços. E Zeca, também corria, mas era descalço, seus pés chutavam as pedras que viam no caminho e se machucava, mas não tinha afagos e curativos. Nunca aprendeu a decifrar as letrinhas dos livros e a ter habilidade com o lápis. Ao contrário, teve muita habilidade com as armas, tinha medo, mas a realidade à sua volta o convenceu de que elas eram essenciais. Betinho também aprendeu a lidar com armas, cresceu e tornou-se o Coronel Alberto Fraga. Já Carlinhos tinha pavor delas.
Em um desses dias em que a vida nos desarma e surpreende, o Coronel Alberto Fraga, que há 25 anos saia armado de casa todos os dias, a fim de proteger a sociedade e desarmar marginais, se surpreendeu com um tiro que não ouviu. E o Zeca, aquele menino que não foi pra escola, foi um dia pra Feira do Rolo, e lá, onde rola de tudo, conseguiu uma arma. Foi assim que saiu às ruas com aquela arma em punho e foi rápido que ele puxou o gatilho. Não precisava, mas ele não pensou, apenas atirou. E um corpo caiu ao chão. O corpo de Carlinhos, aquele que tinha pavor de armas e que tinha um irmão coronel da Polícia Militar. Nada mais o traria de volta. E Zeca correu com a arma em punho e o som do tiro ainda zunindo em sua alma. Mas ele tinha que correr, ninguém ia querer saber se ele nunca tinha ido à escola, que sua família não teve oportunidades e que o ensinaram a puxar o gatilho, mas não colocaram um lápis em sua mão. Quem era aquele rapaz que em um instante tirou a vida daquele jovem? Ninguém sabia. A perícia diria de qual arma saiu o tiro. Mas de nada adiantaria, na Feira do Rolo ninguém pediu documentos do Zeca para lhe vender a arma.
Um sentimento de impotência invadiu o peito do Coronel Alberto Fraga. Onde ele estava que não pode proteger seu irmão? Estava protegendo outros irmãos, esposas e filhos. Quantos tiros estariam sendo disparados por armas sem rosto enquanto ele chorava sob o peito inerte de seu irmão? Não podia saber ao certo, mas sabia que tantos outros Zecas continuariam a comprar armas como quem compra doces, que tantos outros Carlinhos, que tinham medo de armas, continuariam a ser vítima delas e que Coronéis como ele, não poderiam estar em todos os lugares.
O coronel lembrava-se do bumerangue que sempre voltava, e esperava em vão que seu irmão voltasse também. E o Zeca corria e lembrava-se do bumerangue que via no céu fazendo o caminho de volta. Lembrou-se então que tinha que voltar à Feira do Rolo. Precisava de mais munição.

quinta-feira, maio 08, 2008

Para períodos confusos, vírgulas.

domingo, maio 04, 2008

Me bina que eu gosto

O celular-novo-bonitinho-mas-ordinário caiu uma única vez e estragou. Uma única vez! Caiu e o visor deu piripaque, que segundo a Vani, dOs Normais, é “um ataque do Peri”, o índio, namorado da Ceci, que não tinha celular e usava sinais de fumaça.
Sem fumaça e nenhum vestígio de funcionamento fica o visor do celular com piripaque: não mostra firulas, nem mensagens, nem agenda, mas nada disso é tão grave como não mostrar a bina. De uma queda para outra seu celular toca e você simplesmente não faz idéia de quem possa estar ligando pra você. Trim trim.... surpresa! Se pode ser ruim pra quem atende, pior ainda é para quem liga. Muito pior.
Nós somos muito auditivos e nossos sensores de decibéis também captam na voz das pessoas o impacto que causamos nelas. Todo mundo quer ter o “alô” que merece, ou acha que merece. Quando seu telefone tem uma bina, é que como se tivesse um olho mágico na porta: você olha quem toca a campainha antes de abrir. Dependendo de quem está do outro lado, você ajeita o cabelo ou finge que não tem ninguém em casa.

- Alô?
- Oi...
- Oi...
- Sou eu!!!!!
- Ahhhhhhhhhhhh.... Tudo bem?
- Credo, achou que fosse quem?


- Alô?
- Oi, acho que liguei errado, desculpe.
.......

- Alô?
- Ué, não liguei errado não. Nossa, você é de lua mesmo. Há 5 minutos tava tudo bem e agora você me atende assim?


- Alô?
- Oi, bom diaaaa!
- Quem fala?
- Como “quem fala”?


- Alô?
- Tá boa?
- To e você?
- Também.
- Você vai lá hoje?
- ... Hoje... Sua voz tá diferente, nem ta dando pra reconhecer...
- Ah, pára de gracinha e me responde.


- Alô?
- Oi.... Aconteceu alguma coisa? “Que “alou” foi esse?


Aí você resolve mudar o tom de voz:

- Aloooooooooooooooooooooooooooooooou!
- Alô?....Estou ligando confirmar a reunião de hoje.
- Ah... sim... claro!


Até que:

- Alô! Este é um atendimento automático, estou providenciando uma bina para melhor atendê-lo.
- haahaha Você apagou meu número?!

quinta-feira, maio 01, 2008

S, no plural.

- Seu escrivão, coloca um monte de S aí.

- S de que, dona?

- S! S de saudade.

domingo, abril 27, 2008

O de sempre, ou não.

- Você vem sempre aqui.
- Como?
- Você vem sempre aqui!
- Isso normalmente é uma pergunta. Não errou a entonação?
- Você gostaria que fosse uma pergunta?
- Só se eu quisesse responder.
- Não precisa, eu sei que você vem sempre aqui.
- Ah é? Está me seguindo?
- Ainda não.
- E acha que sabe que eu venho sempre aqui?!
- Sei pelo jeito como chegou e se sentou, sem nem olhar para o lado. Como pediu a bebida sem olhar o cardápio. Como acendeu o cigarro sem procurar por um cinzeiro.
- Quem sabe o que quer não precisa pensar nem olhar cardápios, independente de onde esteja.
- Por isso você nem olhou pro lado quando se sentou? Você já sabe o que quer?
- Não sei se não olhei.
- Já sabe o que quer?
- A gente sempre sabe. Mesmo achando que não.
- Você tem resposta pra tudo?
- Você tem pergunta pra tudo?
- Só para o que quero saber.
- Que incomum, normalmente as pessoas perguntam o que já sabem.
- Gosto desse seu humor sem riso.
- ...
- Também gostei do riso, não só desse de agora. O dos seus olhos, eles sorriem quando você fala.
- Talvez eles estejam achando você engraçado.
- Talvez isso seja um elogio?
- Talvez.
- Você não fuma muito né.
- Também percebeu pela maneira como eu acendi o cigarro?
- Não... É qe você fumou só a metade.
- Fumo pouco. Você observa muito.
- Pedro.
- Sara.
- Você vem sempre aqui?

quarta-feira, abril 23, 2008

Na janela

Uma menina na janela.

MENINA NA JANELA

É uma menina na janela.
O que ela vê não se sabe.
Só se sabe que ela contempla alguma coisa.
O que ela pensa não se sabe.
Só se sabe que ela se escuta um segredo.
O que ela sente não se sabe.
Só se sabe que seu peito pulsa toda emoção contida ali.
O que ela ouve não se sabe.
Só se sabe que se é música ela não canta e se é barulho não a incomoda.
Se é uma menina na janela, ao certo não se sabe.
Só se sabe que ela se fecha quando a janela se abre.

(Sussy)

MENINA NA JANELA

A menina na janela tentava por todas as teorias entender o mundo.
Cada semana achava ter descoberto uma lei definitiva.
Mas só achava frustração na mudança.
A menina na janela resolveu então relaxar.
Toda vez que olhasse não iria pensar.
Toda vez que sentisse não tentaria explicar.
E toda vez que se emocionasse não iria mais racionalizar.
A menina na janela resolveu que a partir daquele momento, se amasse, amar-se ia, sem sequer se avisar.
A menina na janela lá ficou com seus olhos doces por longos anos.
Seus olhos não pensavam mais, só viam muito.
Seu coração não julgava, sentia bastante.
Seu corpo ali era apenas um tripé para seus olhos/câmera de rolos infinitos.
A menina na janela não esperava mais como as outras da cidade.
Não buscava amor! Ele vinha.
Ali passou sua vida com tardes de todos os tipos até o dia em que o sol amanheceu e anoiteceu, e a janela não se abriu.

(Léo Santos)

terça-feira, abril 08, 2008

Ao Mestre, com carinho.


Era uma vez uma Sá Menina que não sabia nada de Propaganda e pouco da vida, mas queria danadamente aprender. Ela tinha a vaga noção acadêmica que seu terceiro ano de faculdade lhe ensinara. Era pouco. Um dia seu professor de criação falou pra ela do dono de uma agência que procurava alguém pra chamar de Tatá. Ela foi, com sua pasta audaciosa e tímida. Era o dia de seu aniversário e talvez por isso os Céus tenham dado a ela um dos maiores presente da sua vida: seria a estagiária de redação do Roberto Lima.
Nos primeiros dias, ela olhava o tempo todo pro relógio no canto do computador. Depois contava os dias como quem diz “sobrevivi”. Tinha um medo enorme de ser mandada embora. Aquele negócio de ter idéia o tempo era mais difícil do que ela imaginava. Mas o Mestre Bob era tão generoso com tudo o que sabia que logo os ponteiros do relógio e as folhinhas do calendário foram ficando invisíveis. E a Sá Menina, que também passou a ser chamada de Tatá, viu que queria ser igual a seu Mestre. Era sempre brilhante, bem-humorado, inteligente, sarcástico, engraçado, família.
E assim a vida dela ganhou Unidade, seus textos ganharam corpo e ela nunca mais confundiu “mexa” com “mecha”, depois que o Mestre Bob bradou que iria rasgar sua carteirinha de redatora se ela escrevesse errado de novo, ‘mecha com CH era a de cabelo’. E ele também ensinou pra ela a diferença do ‘a gente’ separado e do ‘agente’ tudo junto. E era tudo muito junto, aprendizado, trabalho, diversão.
O Mestre Bob tinha um dupla e tanto, que ele chamava de Tio Edson, que por sua vez o chamava de Véi e a ela, de Sá Menina e Tatá. Uma vez o Tio Edson disse pra Sá Menina que se eles dessem um tema qualquer pro Véi, ele perguntaria se era pra falar bem ou mal. E logo ela viu que ele era capaz de falar sobre tudo.
Na sala de baixo tinha a Lidi, a Cintia e a Lia, a adorável “mulherada histérica”, já a Sá Menina o Mestre Bob reclamava que falava pouco: “ela é terrível, o teclado dela faz tanto barulho que me desconcentra”, mas é que ela gostava mesmo era de ouvi-los. Eles falavam muito e ela ria muito com eles. Quando falavam besteira pediam pra ela tapar os ouvidos, era só uma Sá Menina. Pra falar a verdade, ela não tapava direito não, era muito curiosa.
Quando ela colocou aparelho nos dentes e chegou toda sem graça o Mestre Bob foi logo dizendo: “amanhã você vem com a botinha ortopédica? Resolveu consertar os dentes aos 20 anos?!!” E aí ela riu e mostrou o aparelho todo. No dia em que ela pintou o cabelo e a tinta não deu certo o Mestre não teve dúvida: “tá da cor de merda de menino, porque você fez isso?”. E ela ficava sem graça, mas não sem rir.
E das coisas que ela ouviu até pensou em fazer um Dicionário Robertês e separou algumas expressões inventadas por ele:
“Diga-se de passagem” = Carro de som
“Sem brenfas nem chorubrifas” = Sem frescura
“Coloca a bundinha pra funcionar” = Pense, pense
“Borbofante” = “A delicadeza de uma borboleta no corpo de um elefante”
“Tempo real” = “Spot de 30 segundos criado em 30 segundos”
“Enterro de anão” = Aquilo que ninguém nunca vê
“Aprochegue-se” = Venha ver o jeito que dei no seu texto
"Tatá" = estagiária
"Sá Menina" = Essa menina aí, ela.

E ela também ouviu muitos conselhos: “Estagiária, vá cuidar do Vem-ki-tem. As pessoas param de anunciar, mas não param de comer”. Mas ela queria mesmo era ser publicitária como ele.
E mesmo depois de todos terem perdido a Unidade ela continuava ligada ao Mestre, mesmo de longe. Quando a Sá Menina passou a ser chamada de Sussy, ela continuava pedindo conselhos ao sábio Mestre Bob, que sempre a atendia com os ouvidos e o coração aberto e a palavra certa: “nunca entre em leilão, Sá Menina”. E feliz ela percebia que a sabedoria do seu Mestre ecoava ao que ela já se dizia. E aí ela tinha certeza.
Certezas de que o Mestre Bob é único e autêntico. Uma vez ele brincou que deveria cobrar hoyalties de todos os muitos profissionais que tinha colocado no mercado. Ela aproveitou para agradecer e dizer que o nome dele era uma espécie de ISO no currículo dela, ao que ele respondeu sem pestanejar: “claro!”, confirmando o que ele várias vezes repetiu: “modéstia é para os fracos”.
A Sá Menina era tão menina que quando o seu contrato de escola com o Mestre estava vencendo, ela ganhou um concurso em outro lugar só de medo de não ser contratada por ele. Aí o Mestre achou que ela não se importava e queria ir embora, só que ela se importava muito mas naquela época ainda era uma Sá Menina insegura e com medo de falar. A Tatá chorou de tristeza pela possibilidade de um pensamento de ingratidão ter passado pela cabeça do Mestre Bob. Mas hoje ela já pediu desculpas por sua atitude ambígua. Ela aprendeu com ele que em propaganda e na vida ambigüidade só é boa se é intencional.

Quando a Tatá pediu ao Mestre Bob alguns de seus livros emprestado, ele lhe disse que o maior tesouro de um redator são seus livros e que era para ela os devolver! Sempre bem-humorado, quando ela foi visitá-lo um tempo depois a primeira coisa que ele disse foi: “aí está ela, a legítima menina que roubava livros”. Não havia cobrança, apenas piada e carinho.
A Sá Menina nunca devolveu os livros, talvez porque quisesse poder consultá-los quando seu primeiro e grande mestre já não estivesse aqui para dar conselhos.
Ela guarda os livros com carinho, assim como a pedra que ficava na mesa de trabalho do Mestre Bob e que ele deu a ela quando deixaram de trabalhar juntos. Hoje a pedra está na mesa da Sá Menina, assim como tudo o que ela aprendeu com ele.

Com muito amor, saudade e gratidão.
Tatá, Sá Menina, Sussy.

domingo, março 30, 2008

Cura

As vezes vejo a loucura se aproximando. Ela tem cabelos cinzas, muito bagunçados. Seus olhos são cheios de desespero e vejo que ela vem chegando como quem não volta mais, como quem fica. E aí ela desaparece como minha imaginação. No fundo eu temo que ela um dia venha com suas malas mal feitas e revire meus armários, jogando abaixo tudo que estava guardado nas gavetas da minha lucidez. E nesse dia vou poder perder a fome de coragem e ficar exilada em mim. Mas por enquanto tranco bem as portas, ainda é uma opção.

sábado, março 29, 2008

Na pele.

Bento estava na sala de espera e contra seu espírito intempestivo fazia o mesmo que os outros: esperava. Cada um tem uma maneira de fazer isso. Uns folheiam uma revista, outros papeiam com a pessoa do lado, contam botões, decoram os movimentos do relógio. Ele remexia os lábios. Era como se estivesse decorando algo que estava prestes a dizer. E foi como se ouvisse o “ação!” que ele se levantou de uma vez quando a secretária o mandou entrar.
- Macaca!
Bradou apontando o indicador para a médica que o olhava em estado de choque.
- Macaca! Macaca!
Ele repetia como se dissesse um mantra interminável, para ele e para a médica.
- Mas o que está acontecendo aqui? O senhor é louco? Saia imediatamente!!!
- Mas a senhora já se irritou? Eu só falei 3 vezes... Imagine então meu neto que a vida inteira tem sido chamado de MA CA CO na escola.

Dito isso, entregou à médica um papel que a ela parecia familiar. Era uma autorização de cirurgia que ela havia negado um mês antes: o plano não cobria aquele procedimento.
Mas naquele dia Bento saiu do consultório com o papel assinado. Estava marcada a desmacaquização de seu netinho.

Aconteceu de verdade, num hospital de verdade, com um avô de verdade.

segunda-feira, março 24, 2008

Desculpa

O grito veio com a raiva dos velhos tempos.
Dos bons tempos em que se podia sentir ódio, e brigar.
Naquela época a batida entrava por um ouvido e saia pelo outro.
Agora entra pelos olhos, poros, ouvidos e percorre um caminho vazio, vazio, vazio, vazio, vazio e .... e não sai. Fica lá, o eco oco.
Os tempos são outros. Nós somos outros.
Sós, só nós.
Cada um se olha e se pensa longe. “E se tivesse sido eu?”
E cada um pensa no abraço que não pode dar. E esquece do que pode ser dado.
Cada um no seu mundinho, infinitamente grande pra poder saber voltar.
Infinitamente pequeno para caber mais alguém.
A raiva dos novos tempos vem acompanhada de curativo.
Vem com o pedido de perdão não dito. De quem disse, de quem fez dizer.
É que eles não podem se sentir raiva.
Eles são sós, só nós.

quinta-feira, março 20, 2008

guarda as chuvas

Quando o céu chorava ela chovia também. Suas águas se perdiam no meio de toda aquela imensidão. Aproveitava os relâmpagos para gritar. A intensidade deles de pronto atenuava seu pranto, em chuvas noturnas que eram seus temporais de catarse. As temperas dela saltitavam como se dançassem na chuva, sem cantar. Ela se cobria com a capa da infância, já em lã desgastada de sapeca negrim. E protegida, cobria com seus cabelos a pedra que escorava sua cabeça. De olhos gelados ela passava a noite em escuro, enquanto o céu se limpava e o sorriso febril raiava em seu rosto.

sexta-feira, março 14, 2008

Xadrez

E foi, assim.
Depois de tudo que não viveram.

(Sussy)

E foi, assim.
Depois de tudo que não viveram.
Que eles começaram a contar no calendário datas e dias que perderam.
Tinha um sábado no qual não saíram da frente da Tv.
E tinha invernos que não foram ao chalé. Com medo de gastar.
Tinha verões inteiros desperdiçados com cursos que não dava para adiar.
Manhãs inteiras perdidas na frente do computador.
Tinha finais de semana em que precisaram trabalhar.
E madrugadas inteiras quando perderam a chance de falar.

(Leo Santos)

E foi assim.
Depois de tudo que não perderam.
E de tudo que deixaram de ganhar.

E foi assim que o álbum continuou vazio.
E os embrulhos, com seus laços.
Os olhares sem seus ecos.
Os risos, sem abraços.

(Sussy)


E foi assim até que deixou de ser.
Quando um dia acordaram sem lembrar.
E não sabiam o que fazer.
Não lembravam seus nomes.
Não conseguiam se lembrar.
E aqueles rostos sem memória no espelho.
Começaram a se regostar.
Não tinham mágoas. Não havia rancor.
E foi assim, que o amor voltou.

(Leo Santos)


E foi, assim. Ele voltou.
E assim era, já perto demais.
Já não era ele, o amor.
Era outro, a mesma roupa, a mesma dor.
E se olharam e se ouviram.
Mas já não eram, não durou.
Um cisco nos olhos.
Um risco nos olhos.
Uma lágrima que gritou.

(Sussy)

segunda-feira, março 10, 2008

,

Olhei no seu olho e me espantei quando me vi.
Eu estava lá, lá dentro.
E me vendo em você pude te ver em mim.
E me assustei, sim.
E mal senti quando fiquei parada e você foi como da outra vez.
Foi pra perto de mim e eu não me lembro mais pra onde fui.
Acho que para o lugar de antes, onde você uma vez tentou me alcançar.
Eu me lembro de te ouvir e de deixar você desistir quando estava tão perto.
Eu fui cruel a ponto de me punir, deixando você me deixar lá.
Só que dessa vez eu olhei no seu olho e vi você em mim.
Eu estava ali, com todas as pistas que esqueci de deixar no caminho
e que você conseguiu juntar.

quarta-feira, março 05, 2008

Só, rir.

Na casa do sr. Tristão era tudo fechado.
Os olhos, o ouvido, o andado.
A casa do lado era da dona Alegrinha,
Das boas novas se intitulou a madrinha.
Corria pra contar, gritava a 4 cantos, 7 notas e todos os instrumentos musicais.
Mas do sr. Tristão ouvia o de sempre: muitos ais.
Dona Alegrinha se zangava e não sabia
que na verdade era ele quem doía.
Uma ferida bem guardada, cicatrizada em calmaria,
ferroava seu pobre rosto
toda vez que ele sorria.

Perto

Terremotos acontecem a remoto.
Abalos fortes, mas tão fortes a ponto de tudo permanecer no lugar.

domingo, fevereiro 17, 2008

Bolsa de valores

Vamos?! Estou esperando... O que vocês estão fazendo aí dentro? Quero vocês aqui fora, agora! Desculpa, não sou a chefe de vocês, eu sei. É que essa coisa toda ainda me confunde. Vamos, por favor; tenho tanta coisa pra fazer. Já sei, é ciúme, né?! Não precisam ficar com ciúmes não. Eu amo vocês mil vezes mais. Não, não estou fazendo contas de novo. É só uma maneira de falar... Eu não mudei minha “maneira de falar”. Eu sempre disse isso. Culpa minha? Fiz tudo acreditando em vocês. E agora estão me deixando. Olha só, estou aos prantos e não consigo derramar uma lágrima. Não podem ir embora assim, sem mais nem menos. Não... Isso não é sinal de nada, que coisa... Olha aí! Vocês me sumindo de novo. Eu preciso de vocês. Não, eu pensei nisso antes sim. Coloquei vocês cuidadosamente na bolsa, vocês lembram que eu até chorei numa proporção incalculável. Já disse que é maneira de falar. Juros que não vou repetir. Eu não disse juros, disse juro, prometo... Nossa, vocês estão muito literais. Estamos perdendo muito tempo, e vocês sabem: “times is...”. Desculpa. Tudo bem, eu deixei vocês muito tempo aí, mas é que foi tanta correria... Não, eu não gosto mais deles... Os números são frios, denotativos. No dia que acharem que não estão rendendo comigo, simplesmente me deixam, vazia. Vocês não, são diferentes, é com vocês que eu conto quando eu mais preciso... Não, não sejam literais de novo! Olha aí, estou chorando... Estou chorando!! Obrigada... Não tenho palavras para agradecer... Quer dizer, agora eu tenho! Mas depois eu falo, estamos atrasadas.

sábado, fevereiro 09, 2008

Você é insuportável quando está longe.

Disse. E foi sua maior declaração de amor.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Coisa de quem?

- Aonde a gente tá indo?
- Pra lá. Não é o combinado?
- Eu não combinei nada.
- Combinaram pra gente.
- Eu não tô sabendo, só tô indo...
- É o que você sempre pensa.
- Sempre o grande controlador, né?!
- Não acredito em você.
- Eu que não acredito em você.
- Essa eterna mania de achar que tudo tem um porquê...
- Claro que tem. Inclusive essa conversa.
- Lá vem você de novo.
- Shhhhh... Quieto. Ela vem vindo.
- Depressa... É a vez de quem?
- Par...
- Impar...

E assim, num golpe de sorte, o Acaso e o Destino disputam cada segundo da sua vida.